Os últimos serão os primeiros? Claudio de Moura Castro

Quando Mares Guia virou ministro do Turismo, eu trabalhava no grupo educacional do qual é sócio. Sendo um praticante inveterado de turismo de aventura, nada mais natural do que recomendar a ele que incentivasse essa modalidade. Contrasta nosso enorme potencial com um vergonhoso atraso nessa área.
Fui deixado para trás pelo guia subindo a cratera do Vulcão Villarrica (no Chile)onde recentemente morreu um brasileiro. Nevoeiros e uma iminente nevasca logo se materializaram. Sobrevivi, mas acendeu uma luz amarela. Os nossos guias, em sua maioria, eram ainda mais bisonhos. Catástrofes pairavam a cada curva, os acidentes cresciam. Corri ao ministro, pedindo para esquecer minhas perorações. Em vez disso, que tentasse profissionalizar o setor.
Não é segredo, isso requer treinar, treinar e treinar, tanto guias como empresas. Mas, em um setor tão frágil e descosido, preço baixo é tudo. Daí, pagar-se pouco aos guias, em vez de exigir competência. Era assim com meu guia no Chile, e no Brasil, igual. O profissionalismo ainda não é valorizado pelos clientes, portanto, nem pelas empresas. Sendo assim, na ausência de uma real demanda por treinamento, os cursos pouco iriam mudar o panorama. Na prática internacional, atividades com risco exigem certificação, pois obrigam ao treinamento, que garante um padrão mínimo de desempenho. Em conversas com o Instituto de Hospitalidade surgiu uma ideia meio amalucada. Por exercer uma atividade crítica, um soldador de oleoduto precisa ter certificado ISO (ou ABNT, sua parceira nacional). Portanto, precisa estar conforme às normas ISO de qualidade, tal como isoladores, óleo lubrificante e fio elétrico. Ora, como o turismo de aventura também pode ser perigoso, por que não criar normas ABNT para condutores e empresas? Ou seja, usar o sistema de normas industriais para certificar guias.
Trata-se de pegar carona na maquinaria que certifica os produtos das maiores empresas mundiais. Consultada, a ABNT indicou a necessidade de criar um comitê para preparar normas, formado pelas forças vivas do setor. Não havendo associações de empresas, foi necessário criar uma. Merce do esforço de Gustavo Timo, nasceu então a Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), começando com um punhadinho de companhias.
A proposta cresceu e frutificou. Foram criadas e aprovadas 25 normas, para as diversas modalidades de aventura e, no caso das empresas, para o gerenciamento do risco. Duas instituições certificadoras foram credenciadas pelo Inmetro.
Para decolar, a certificação foi patrocinada e financiada pelo ministério, pois, para as empresas, não passaria de um custo sem retorno. Quando os clientes começarem a perceber que o serviço certificado é melhor e mais seguro, só então vai se criar uma demanda espontânea por certificação. Alvíssaras! O mercado acaba de sinalizar uma mudança de patamar: a CVC anunciou que exigirá a certificação ABNT das empresas terceirizadas que vier a contratar. Sem certificação, nada de contrato.
Somos fraquinhos no mundo do turismo de aventura. Ainda é precário o que oferecemos aos 6 milhões que se embrenham nas matas, nas montanhas ou nas águas. Mas pelo menos começamos a melhorar.
Curiosamente, criada inicialmente para satisfazer uma exigência da ABNT, a Abeta ganhou vida própria. Hoje, ela tem mais de 300 empresas associadas. São quase 100 instituições certificadas; outras tantas estão em processo de certificação.
Argentina e Chile, muito mais experientes que nós, assistiram a um evento da Abeta e gostaram da ideia. No ano seguinte, os americanos vieram e se surpreenderam. Faz pouco, a ficha caiu. Como cada país tem seu sistema, não há padrão internacional, não há como comparar, não há como saber se uma empresa merece confiança. Por que não uma norma internacional ISO para o turismo de aventura? E quem cuidaria disso? Obviamente, o único país que investiu nesse caminho: o Brasil, Portanto, junto com a Inglaterra, nosso país secretaria o comitê ISO que está preparando as normas internacionais (provavelmente, uma adaptação das brasileiras). Quem diria, no processo de criação das normas mundiais, um país vira-lata do turismo de aventura se transforma no modelo e líder!

Fonte: Revista Veja 


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