Quando Mares Guia virou ministro do Turismo, eu
trabalhava no grupo educacional do qual é sócio. Sendo um praticante
inveterado de turismo de aventura, nada mais natural do que recomendar a
ele que incentivasse essa modalidade. Contrasta nosso enorme potencial
com um vergonhoso atraso nessa área.
Fui deixado para trás pelo guia subindo a cratera
do Vulcão Villarrica (no Chile)onde recentemente morreu um brasileiro.
Nevoeiros e uma iminente nevasca logo se materializaram. Sobrevivi, mas
acendeu uma luz amarela. Os nossos guias, em sua maioria, eram ainda
mais bisonhos. Catástrofes pairavam a cada curva, os acidentes cresciam.
Corri ao ministro, pedindo para esquecer minhas perorações. Em vez
disso, que tentasse profissionalizar o setor.
Não é segredo, isso requer treinar, treinar e
treinar, tanto guias como empresas. Mas, em um setor tão frágil e
descosido, preço baixo é tudo. Daí, pagar-se pouco aos guias, em vez de
exigir competência. Era assim com meu guia no Chile, e no Brasil, igual.
O profissionalismo ainda não é valorizado pelos clientes, portanto, nem
pelas empresas. Sendo assim, na ausência de uma real demanda por
treinamento, os cursos pouco iriam mudar o panorama. Na prática
internacional, atividades com risco exigem certificação, pois obrigam ao
treinamento, que garante um padrão mínimo de desempenho. Em conversas
com o Instituto de Hospitalidade surgiu uma ideia meio amalucada. Por
exercer uma atividade crítica, um soldador de oleoduto precisa ter
certificado ISO (ou ABNT, sua parceira nacional). Portanto, precisa
estar conforme às normas ISO de qualidade, tal como isoladores, óleo
lubrificante e fio elétrico. Ora, como o turismo de aventura também pode
ser perigoso, por que não criar normas ABNT para condutores e empresas?
Ou seja, usar o sistema de normas industriais para certificar guias.
Trata-se de pegar carona na maquinaria que certifica
os produtos das maiores empresas mundiais. Consultada, a ABNT indicou a
necessidade de criar um comitê para preparar normas, formado pelas
forças vivas do setor. Não havendo associações de empresas, foi
necessário criar uma. Merce do esforço de Gustavo Timo, nasceu então a
Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura
(Abeta), começando com um punhadinho de companhias.
A proposta cresceu e frutificou. Foram criadas e
aprovadas 25 normas, para as diversas modalidades de aventura e, no caso
das empresas, para o gerenciamento do risco. Duas instituições
certificadoras foram credenciadas pelo Inmetro.
Para decolar, a certificação foi patrocinada e
financiada pelo ministério, pois, para as empresas, não passaria de um
custo sem retorno. Quando os clientes começarem a perceber que o serviço
certificado é melhor e mais seguro, só então vai se criar uma demanda
espontânea por certificação. Alvíssaras! O mercado acaba de sinalizar
uma mudança de patamar: a CVC anunciou que exigirá a certificação ABNT
das empresas terceirizadas que vier a contratar. Sem certificação, nada
de contrato.
Somos fraquinhos no mundo do turismo de aventura.
Ainda é precário o que oferecemos aos 6 milhões que se embrenham nas
matas, nas montanhas ou nas águas. Mas pelo menos começamos a melhorar.
Curiosamente, criada inicialmente para satisfazer uma
exigência da ABNT, a Abeta ganhou vida própria. Hoje, ela tem mais de
300 empresas associadas. São quase 100 instituições certificadas; outras
tantas estão em processo de certificação.
Argentina e Chile, muito mais experientes que nós,
assistiram a um evento da Abeta e gostaram da ideia. No ano seguinte, os
americanos vieram e se surpreenderam. Faz pouco, a ficha caiu. Como
cada país tem seu sistema, não há padrão internacional, não há como
comparar, não há como saber se uma empresa merece confiança. Por que não
uma norma internacional ISO para o turismo de aventura? E quem cuidaria
disso? Obviamente, o único país que investiu nesse caminho: o Brasil,
Portanto, junto com a Inglaterra, nosso país secretaria o comitê ISO que
está preparando as normas internacionais (provavelmente, uma adaptação
das brasileiras). Quem diria, no processo de criação das normas
mundiais, um país vira-lata do turismo de aventura se transforma no
modelo e líder!
Fonte: Revista Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário